Depois do sucesso da primeira exibição-teste em Campinas, o curta-metragem “Meninas” enfrenta o desafio de conquistar um mercado exibidor
Deveria ser apenas uma sessão de première para o filme “Meninas” na cidade de Campinas, interior de São Paulo, mas os ingressos esgotaram em menos de um dia, e os produtores tiveram que abrir uma segunda sessão. O diretor do filme Hamilton Rosa Jr. brinca, dizendo que no dia da première, o cinema exibia o novo filme do Thor para 15 pessoas, enquanto na entrada do cinema, uma fila de 300 pessoas aguardavam para assistir “Meninas”. Talvez não pareça uma grande proeza, mas considerando que se trata de uma curta metragem, sem nenhum nome que atrai bilheterias no elenco, é um fenômeno. Mas o filme é um sucesso e está tendo um amplo boca a boca, por conta da identificação do público. O filme, que levou 26 meses para ficar pronto, trata diretamente da pandemia. A aflição da reclusão, do distanciamento, a impotência de lidar com um inimigo microscópico e invisível e o luto pela perda de amigos.
É uma produção independente que conta a emocionante trajetória de cinco mulheres na faixa dos 60 anos (as atrizes Inês Fabiana, Stella Vilela, Rosana Brandão, Elizinha Ferraz e Mila Cassiano) que baniram a palavra envelhecimento do dicionário delas, e tentam encontrar novas formas de beleza e liberação na vida, desfrutando de festas, viagens e encontros. A súbita chegada de uma epidemia, no entanto, altera a realidade das cinco. Acompanhamos a alegria e a euforia delas, na véspera da chegada do lockdown, e o posterior confinamento que gradativamente provoca mudança de comportamento em todas. Passam-se os meses e inconformadas, as cinco improvisam novos encontros, se valendo do máximo cuidado, para que eles sejam alegres e prazerosos, mas as cinco descobrirão, na prática, que suas reuniões nunca mais serão como antes.
Como diz o diretor Hamilton Rosa Júnior, esse vírus, inimigo mortal, que chegou sem pedir licença, mudou não só nosso modo de vida, mas o próprio comportamento social. De início, o filme não foi planejado para tratar da pandemia. “Era uma comédia sobre cinco senhoras festeiras e bem humoradas vivendo numa espécie de loucura dos livres e, de repente, estávamos filmando e aconteceu o lockdown. Paralisamos as filmagens e ficamos meses parados sem saber que rumo tomar”.
De acordo com o diretor, houve muitos impasses. “Ficamos um ano repensando o filme, sem prazo determinado para voltar. Foi um período difícil, confuso pra todo mundo… a gente não conseguia fazer planos e nem mesmo fechar raciocínios. E, no caso do roteiro do filme, ele era escrito e reescrito e eu não conseguia concluir o assunto. Então vieram as vacinas e todo mundo se sentiu um pouco menos inseguro. Marcamos um reencontro ávidos para continuar. Imaginávamos que quando nos reuníssemos, haveria muita emoção, mataríamos nossas saudades, mas, houve sim, um estranhamento.
Parecíamos outras pessoas, cada qual se mantendo friamente no seu quadrado, com seu álcool gel e sua máscara. Foi uma experiência muito esquisita. A gente estava se comportando como peças de um tabuleiro. Claro, o posicionamento de cada um visava zelar pelo outro, mas havia uma apreensão. No fundo, estávamos juntos ali, sofrendo com a impossibilidade de expor diretamente nossa cordialidade, nosso carinho”, conta o diretor.
Contudo, esse reencontro cheios de limites e obedecendo uma absurda coordenada geométrica, foi perfeito para o cineasta alinhar as ideias e concluir o roteiro.
Première para o filme “Meninas” teve ingressos “SOLD OUT”
Contribuiu muito para o êxito do filme, a fotografia e direção de arte de Helen Quintans (fotógrafa superpremiada pelo filme “Antônia”, de Flavio Carnielli). Para “Meninas”, ela fez um trabalho meticuloso de composição, dividido em duas partes: na primeira, uma explosão de cores quentes para ilustrar um mundo de alegria, de abraços e carnaval das Meninas, que nem imaginam que tudo está prestes a mudar com a pandemia. Na segunda parte, com o isolamento, o registro passa para os contrastes mais fortes e closes intimistas. Outro detalhe que chama a atenção, são as cores dos figurinos das personagens. Cada uma delas tem seus humores representados por uma cor. A personagem mal humorada, usa sempre elementos roxos nas suas roupas, a libertária, usa vermelho, a meiga, verde, a festeira azul. E o olhar de Helen imprime uma marca visual incomum para todas essas cenas de isolamento social.
“Acredito que o olhar de Helen e os ouvidos da compositora Karla Maturana, que compôs a trilha sonora e cuidou da mixagem de som, foram fundamentais para o que visualmente e sonoramente “Meninas” se tornou. Sempre que posso, gosto de me cercar da singularidade feminina. Existe uma subjetividade no feminino muito peculiar. As mulheres são mais meticulosas, se valem mais da intuição e é absurdo, mas nós homens, historicamente só estarmos aprendendo a entendê-las agora, depois de séculos de opressão de uma sociedade predominantemente masculina.
Muito da delicadeza desse filme se deve também da assistência de direção de Jaqueline Ramirez, uma expoente da cultura drag queen. “O fazer drag está relacionado com uma expressão super elaborada, ao envolver as artes. Tive a oportunidade de ver uma performance da Jaque, onde ela mistura tudo, música, teatro, dança, literatura, e quando a vi trabalhando num set de filmagem apenas como maquiadora, percebi que havia uma demanda subaproveitada, que precisava ser liberada. “A Jaque é muito criativa, versátil e inteligente ela era impecável em ajustar cada objeto no set. Com ela ficou muito mais fácil colocar cada cena de pé, em “Meninas”.
Os planos-sequências já são uma marca do diretor Hamilton. “Eu adoro viajar com uma câmera pelo set e acho que, em “Meninas”, ela tinha que ser imersiva e estar a serviço da história e do ator. O cinema muitas vezes é cruel com o trabalho do ator. É muito comum hoje vermos filmes em que a emoção do profissional é fragmentada por cortes. E a gente acaba com o que é mais genuíno em nós, quando se opta por fracionar a interpretação do ator”. Mas é preciso um câmera com muita agilidade e leveza para coreografar os planos sequências, e encontrei em Joel Camargo o parceiro ideal para criar esse movimento cinético que embala as cenas.
Hamilton considerou terminar “Meninas” buscando algum alento na ciência, mostrando que, com as vacinas, o horror já estava prestes a ser reparado. “Seria maravilhoso se o contágio tivesse uma finitude”, afirma o cineasta. “Mas a pandemia continua aí, mostrando como na vida a gente é levado pela imprevisibilidade e surpresa do mundo”.
Assim, o diretor e roteirista optou por buscar a esperança nos poderes curativos da arte. As cinco personagens do filme são atrizes, então elas decidem montar um monólogo no quintal da casa de uma delas. O quinteto organiza e convida os amigos para assisti-las, acreditando que será a oportunidade de celebrar algo que a pandemia as impediu por tanto tempo.
“Será que a arte é capaz de nos salvar?”, pergunta o cineasta, para logo em seguida responder, “eu quero acreditar que sim”.
O produtor do filme, Flavio Carnielli, conta que o filme é um relato fictício, mas a formação de Hamilton é jornalística e, portanto, a câmera, nas muitas externas, esteve sempre aberta para documentar a realidade à volta. “Meninas” foi filmado exatamente enquanto a tempestade passava. “Então talvez, observa Carnielli, “o filme ofereça algumas revelações que não foram planejadas, mas a natureza nos trouxe”.
Agora “Meninas” entra na fase de exibição. A première em Campinas foi o primeiro teste com o público. “O envolvimento foi tão intenso e levou tanto tempo que não temos mais distanciamento para avaliar, justifica Hamilton. “O importante é que o filme nasceu e, agora queremos ver ele correndo por aí, livre e solto, como uma criança, acrescenta Carnielli.
Paira a pergunta no ar: Existe a meta de inscrevê-lo em festivais?
Os realizadores, explicam que sem dúvida, todo mundo hoje sonha em apresentar seu filme em festivais e também nos canais de streaming, mas esse mercado é complicado e para pessoas muito sonhadoras. “Nós somos sonhadores, mas temos que manter os pés no chão” reafirma Carnielli. De acordo com Hamilton, talvez em festivais a gente tenha alguma chance, mas no streaming? Os canais querem produtos espetaculares, cheios de reviravoltas surpreendentes programadas por algoritmos. “Isso não tem nada a ver com nosso filme, que é intimista, feito de uma forma muito intuitiva e numa cidade de interior. Assim achamos que o caminho viável para o “Meninas” primeiro são os festivais, os circuitos alternativos em outras cidades e as escolas. Se for além, ficaremos contentes, mas, senão, vamos celebrar do mesmo jeito”.
Assista ao making off exclusivo do filme:
O filme contou com uma equipe super talentosa
Equipe de Produção:
Direção e Roteiro – Hamilton Rosa Júnior
Produção – Flávio Carnielli e Karla Maturana
Assistente de Direção – Jaqueline Ramirez e Iberê Pereira
Trilha sonora e mixagem – Karla Maturana
Direção de Fotografia – Helen Quintans
Câmera – Joel Camargo e Hélder Bernal
Direção de Arte: Helen Quintans, Walter Rhis, Jeison Lopes e Jaqueline Ramirez
Edição – Hamilton Rosa Júnior
Finalização/ Tratamento de Cor – Flávio Carnielli e Marcelo Coutinho
Figurinos (ajustes) – Cleusa Quintans
Som: Luiz Fernando “Guga” Lourenço
Luz e Elétrica – Cauê Gustavo Campos
Imagens making off: Jaqueline Ramirez e Joel Camargo
Elenco:
Mila Cassiano…………………………………………………………………… Selma
Elizinha Ferraz………………………………………………………………….. Dulce
Inês Fabiana…………………………………………………………………….. Roberta
Rosana Brandão……………………………………………………………….. Paula
Stella Villela……………………………………………………………………… Dolores
Trailer: https://m.youtube.com/watch?v=O3Syr01ajqM&feature=youtu.be
Denny Silva